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Internet das Coisas: serviço de telecomunicações ou serviço de valor adicionado?

Essa notícia foi publicada no portal Jota.info e está disponível emhttps://www.pnm.adv.br/internet-das-coisas-servico-de-telecomunicacoes-ou-servico-de-valor-adicionado/

A legislação brasileira realmente deixa margem para dúvidas?

Crédito: Pixabay

Em mais um artigo da série sobre o direito e a Internet das Coisas (“internet of things” ou “IoT”), em parceria com o JOTA, discutiremos um tema bastante recorrente, relativo a sua qualificação como serviço de telecomunicações ou serviço de valor adicionado. A discussão foi abordada no estudo “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil” realizado pelo consórcio McKinsey / CPqD / Pereira Neto Macedo Advogados, coordenado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (“MCTIC”) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”).

Panorama legal

Ao contrário do que ocorre em outras jurisdições, a legislação que rege as telecomunicações no Brasil fixa claramente os limites entre os serviços de telecomunicações (que demandam, em regra, obtenção de prévia outorga e atraem a regulação setorial) e os serviços de valor adicionado (que dispensam outorga e não são sujeitos à regulação de telecomunicações) – “SVA”.

Nesse sentido, a Lei Geral de Telecomunicações estabelece que os serviços de telecomunicações são aqueles em que possibilitam a “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (art. 60).

Por sua vez, o SVA é a “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações” (art. 61). A legislação ainda esclarece que o SVA não é considerado como serviço de telecomunicações e que o seu provedor será considerado como usuário.

Assim, pode-se afirmar que a IoT se vale do uso de um serviço de telecomunicação como suporte, podendo, para fins regulatórios, ser considerada como um SVA. A IoT depende de conectividade para funcionar – tanto quanto a Internet em geral –, sendo certo que, onde houver oferta de conectividade, há serviço de telecomunicação que atrairá a regulação setorial.

Ou seja, não há IoT sem telecomunicações que lhe dê suporte. Não basta adquirir o terminal telefônico, é preciso ser assinante de um serviço. A afirmação parece óbvia, mas necessária para desmistificar leituras que podem comprometer a clareza que é uma das grandes virtudes da Lei Geral de Telecomunicações.

Portanto, dada a clareza da legislação brasileira, é preciso ter cautela na importação de modelos regulatórios inspirados em outras jurisdições, pois, em muitos casos, as definições ali adotadas se voltam, justamente, a calibrar a extensão da regulação setorial, para abarcar ou não a IoT.

Onde então mora o problema?

Se a IoT se enquadra, em tese, na legislação, as inúmeras possibilidades que ela traz na prática testam as definições legais – mas, antecipamos, elas continuam suficientes para solucionar os problemas em nível legal. Nos modelos de negócio mais simples os próprios usuários contratarão os serviços de telecomunicações de um provedor tradicional – como é o caso, em regra, das aplicações de casas inteligentes.

O enquadramento na legislação começa a ficar mais complexo nos casos em que o mesmo agente econômico oferta IoT com conectividade embarcada. Em grande parte dos casos, bastará que o interessado obtenha uma autorização para explorar serviço de telecomunicações. No entanto, em algumas situações, o próprio prestador de serviço pode ser considerado como o usuário do serviço de telecomunicações.

Esse é o caso, por exemplo, dos serviços de Tecnologia de Rastreamento e Monitoramento Veicular (“TIV”), em que, via de regra, as empresas contratam como usuárias o serviço de operadoras de telecomunicações e já embarcam essa conectividade nos rastreadores que compõem o serviço de rastreamento. Ou seja, o proprietário do veículo contrata apenas a empresa de TIV e já recebe os serviços que utilizam conectividade sem ter de contratar, ele mesmo, com uma operadora de telecomunicações.

Essa prática poderia ser considerada como “revenda” de telecomunicações – algo que é vedado pela legislação – pelo simples fato de representar o repasse de um serviço contratado pelo usuário (empresa de rastreamento) a um terceiro (cliente). A Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”), quando provocada sobre esse aspecto, considerou que a empresa de TIV permanece como usuária do serviço de telecomunicações (Ofício nº 399/2010). A Anatel fez também algumas ressalvas, no sentido de que o serviço de TIV não poderia permitir, ao usuário final, facilidades que o confunda com a prestação de serviço de telecomunicações, tais como a oferta de conexão por voz.

O monitoramento veicular apresenta um cenário valioso que antecipa os desafios que a IoT enfrenta e enfrentará. A preocupação analisada pela Anatel é a mesma que ronda as aplicações de IoT. Contudo, a solução não passa pela criação de um novo serviço de telecomunicações ou por uma nova categoria jurídica, mas sim pela manutenção da exitosa distinção adotada pela Lei Geral de Telecomunicações.

O que pode ser feito?

Isso não significa que os órgãos públicos estão desincumbidos de adotar medidas para conferir mais segurança jurídica e clareza para os modelos de negócio de IoT.

Em primeiro lugar, seria importante que a Anatel revisse, atualizasse e estendesse a interpretação adotada para os serviços de TIV para outras atividades, delimitando de forma mais clara as condições em que a oferta de conectividade embarcada não será considerada como revenda de telecomunicações. Uma forma de fazer isso seria através da aprovação de uma súmula, instrumento que já foi adotado pela Anatel em outras circunstâncias e fixa seu entendimento quanto à interpretação das regras setoriais.

Em segundo lugar, a Anatel também deve atuar com cautela na cobrança de encargos setoriais que incidem sobre receita nos casos em que o provedor de IoT é agente autorizado para explorar serviços de telecomunicações. Ao contrário do que ocorre com as operadoras de telecomunicações, as receitas com outras atividades são substancialmente mais representativas no faturamento dos provedores de IoT e a cobrança sobre o todo se revelaria claramente injusta.

Em terceiro lugar, como já tivermos a oportunidade de nos manifestar, a aprovação de um conceito de IoT claro pode contribuir tanto para a desoneração dos serviços de telecomunicações que a suportam, quanto para viabilizar eventuais outras medidas regulatórias assimétricas. Há iniciativa legislativa, como o substitutivo ao Projeto de Lei 7.656/2017, que atribuem à Anatel a competência para definir o conceito de comunicação “máquina a máquina”. Trata-se de oportunidade relevante para o setor.

Todas essas medidas podem ser feitas sem que seja necessário alterar a distinção entre serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado presentes na Lei Geral de Telecomunicações.

Conclusão

As definições de serviço de telecomunicações e serviço de valor adicionado, tal qual previstas atualmente na legislação, são suficientes para formar um quadro legal adequado à realidade da IoT. Cabe ao Poder Público, em especial à Anatel, esclarecer à sociedade o alcance de cada um desses conceitos, como já feito no passado.

No próximo artigo, seguiremos tratando de desafios regulatórios para expansão de IoT no Brasil. Até lá!